terça-feira, 14 de janeiro de 2014

GUERRA IDEOLÓGICA

Aberta a temporada de caça eleitoral, somos alvejados na “grande” imprensa brasileira por diversas escaramuças sem direito de defesa igual e contrária, isto é, se um scholar neoliberal é entrevistado, atacando o “velho desenvolvimentismo”, não se encontra a correspondente entrevista de um scholar social-desenvolvimentista retrucando suas ideias. No máximo, entrevistam porta-vozes oficiais sem a mesma liberdade político-ideológica para oferecer a oposição às ideias neoliberais.
As últimas diatribes foram desferidas pelo ex-professor da FGV-RJ, ex-diretor do Unibanco-Itaú, vice-presidente do Insper e… ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. Sim, o infeliz esteve no primeiro mandato do Governo do Partido dos Trabalhadores como secretário do ministro Antônio Palocci. Na sabedoria popular, classifica-se esse tipo de gente como “quem cospe no prato que comeu…”
Cada um tem o direito de falar o que quiser, porém o que não se encontra é o direito de resposta para o (e)leitor conferir a veracidade do que se diz ou comparar os contra-argumentos. No caso da entrevista de Lisboa, seus argumentos vão contra a lógica e as evidências empíricas. Senão, vejamos.
Desde logo, a manchete é escandalosa – e falsa. “Repaginado, o velho desenvolvimentismo”, segundo ele, “não oferece muito mais do que uma economia medíocre, que cresce 2%, 2,5% e que em um ano bom pode chegar no máximo a 3%”.
Ele teria de, primeiro, comparar essas taxas no tempo. Na era neoliberal (1980-2002), qual foi a taxa média de crescimento do PIB brasileiro nas “duas décadas perdidas”? Então, é a ideologia predominante que determina o PIB?!
Segundo, ele teria de comparar no espaço. As grandes economias do mundo Ocidental, participantes no ranking dos dez maiores PIBs, crescem em que faixa? Estão submetidas aos mesmos “limites” [2%-3%]? Sim, devido à prioridade concedida à estabilidade do Capitalismo de Mercado. Por que não crescem de maneira semelhante às grandes economias asiáticas? Em uma lista de 220 países, apenas 106 pequenos países crescem acima dessa faixa. Entre os 10 maiores, há a exceção da China (23a. taxa de crescimento com 7,7%). Rússia cresceu 3,4% (100a.) e Índia (104o.), 3,2%. Curiosamente, esses são Capitalismos de Estado…
Terceiro, ele teria de contextualizar. Quando o entrevistador do Valor lhe perguntou – “E o cenário externo não tem nada a ver com nada disso?” – a leviandade de sua resposta é espantosa! Disse que “cenário externo é o vento frio. Pode-se estar mais ou menos protegido.” Então, ele teria de demonstrar as grandes economias do Capitalismo Liberal Ocidental crescem menos do que as grandes economias do Capitalismo de Estado Oriental, com a exceção da economia japonesa, inserida no modelo liberal norte-americano deflacionista há tempos. E rastejante como as economias europeias…
Finalmente, se em vez de chutar fantasma como “o velho-desenvolvimentismo”, ele deveria sim resgatar a velha (e boa) abordagem estruturalista. Então perceberia que, se há um grupo de países que sofreu menos, como Chile, Peru, Colômbia, Nova Zelândia e Austrália, e alguns países que sofrem mais, entre os quais Brasil, Rússia, Índia, Turquia, África do Sul, algumas divergências entre estruturas produtivas-exportadoras e portes deveriam ser analisadas, não?
Com essa abordagem estruturalista deixaria de falar bobagem, por exemplo, a respeito da indústria automobilística, ironizando o novo regime automotivo concedido “à única indústria infante do mundo com direito de se aposentar”. A ligeira queda nas vendas em 2013 não tira do Brasil o posto de quarto maior mercado automotivo do mundo, conquistado em 2010. Isso porque a Alemanha, que disputou essa posição com o mercado brasileiro nos últimos quatro anos, registrou baixa ainda mais expressiva nos emplacamentos. Enquanto no Brasil a demanda por carros caiu 1,5%, na Alemanha a retração no consumo chegou a 4% no ano passado. Os dois outros países que poderiam ameaçar a quarta colocação ocupada pelo mercado brasileiro – Índia e Rússia – também registraram queda nas vendas de veículos, respectivamente, -6% e -6,2% .
Com os 3,58 milhões de carros de passeio e utilitários leves emplacados em 2013, a vantagem brasileira em relação aos alemães subiu para pouco mais de 627 mil unidades, o equivalente a dois meses de venda. Os maiores mercados de veículos do mundo continuam sendo, nesta ordem, China, Estados Unidos, Japão e Brasil. Será que os neoliberais não conseguem entender o porte e a diversidade estrutural da economia brasileira?! Só focam na defesa da liberdade do mercado!
Por exemplo, falam apenas da taxa de câmbio, quando deveriam considerar a demanda externa e a capacidade de exportação brasileira. Mesmo com a moeda nacional se depreciando cerca de 15% ao longo do ano, as exportações diminuíram 1% para US$ 242,2 bilhões, e as importações subiram 6,5%, para US$ 239,6 bilhões, produzindo a queda de 86,7% do superávit: US$ 2,6 bilhões de 2013 , em comparação com os US$ 19,4 bilhões de 2012.
O balanço comercial teve forte influência da conta de petróleo. Do lado das importações, as compras de combustíveis e lubrificantes cresceram 15%, para US$ 40,5 bilhões. Houve o registro atrasado de importações feitas em 2012 de US$ 4,6 bilhões, só contabilizadas no primeiro semestre do ano passado. Do lado das exportações, a queda na produção doméstica de combustíveis ocasionada pela parada para manutenção de algumas plantas diminuiu as exportações do segmento em 31%, para US$ 12,9 bilhões. Foram as exportações contábeis de plataformas de petróleo que garantiram o saldo positivo de 2013, somando US$ 7,7 bilhões no ano, acima do US$ 1,5 bilhão de 2012.
Isso só foi uma amostra negativa da importância (positiva) que terá a Economia do Petróleo na próxima década para a economia brasileira. Ao contrário do que percebe a visão ideológica neoliberal, o novo governo social-desenvolvimentista, diferentemente do “velho desenvolvimentismo”, promoveu a inclusão ao mercado interno milhares de consumidores via mobilidade social propiciada por políticas públicas e, agora, está promovendo os investimentos em infraestrutura energética e logística com longo prazo de maturação, mas que levarão a economia se tornar a quinta maior do mundo.
Autor: Fernando Nogueira da Costa é  Professor Livre-docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/  E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário