Passei a noite insone pensando no meu querido amigo
Anivaldo Padilha.
Enquanto a mídia faz essa campanha sórdida e mentirosa
para atingi-lo da forma mais cínica e cruel, atentando contra sua moral
ilibada, ele está la em numa cidade do interior de um estado, que nem vou dizer
qual para eles não darem plantão ai, em sua luta incansável para que a verdade
seja reestabelecida e que a verdade sobre o que ocorreu nos porões da ditadura
sejam esclarecidas.
Todos nós fomos tomados de surpresa, eis que jamais
cometeu os atos apontados por esse folhetim infame, que é mestre em destruir
reputações.
A vida de Anivaldo sempre foi pautada na luta contra
todo o tipo de opressão.
Sua história de vida é um exemplo para todos aqueles
que estão lutando por um mundo melhor.
Minha indignação não tem tamanho.
A guerra suja daqueles que querem macular a imagem de
um homem que é referência mundial na luta pelos direitos humanos só tem uma
intenção: mostrar o desespero, porque sabem que Alexandre Padilha será o
Governador de São Paulo e isso essa elite inescrupulosa aliada desde que o
Brasil foi invadido nos momentos mais sangrentos de nossas história.
Tudo isso é fruto do trabalho de seu filho Alexandre,
que por sua ideologia de médico humanista, para levar saúde a todos os
excluídos de nosso país, mexeu com a classe mais privilegiada do país, a dos
médicos! Fez com que milhares de brasileiros tivessem acesso às políticas
públicas de saúde e mais, mostrou ao Brasil que não tem medo de enfrentar os
poderosos do país!!!!
Seu filho, querido Anivaldo é fruto de duas pessoas que
sempre estiveram ao lado dos mais pobres.
Não só o Alexandre é fruto de uma criação ideológica.
Não vou citar o nome do nosso querido artista, para ele também ser poupado
dessa campanha difamatória.
Seu trabalho é reverenciado no mundo todo, só aqui no
brasil é que essa imprensa ordinária não reconhece.
Você é referência por onde andas, seja nos lugares mais
remotos do Brasil ou em países onde essa imprensa tosca jamais terá seu
trabalho reconhecido.
Nada, nem ninguém tira sua história de vida!
Para quem não conhece Anivaldo, vou reproduzir esse
texto que é um testemunho de sua vida
ATO PÚBLICO DE
REPATRIAÇÃO DOS DOCUMENTOS DO PROJETO BRASIL: NUNCA MAIS
REFLEXÕES SOBRE
MEDIDAS DE VERDADE: DO BRASIL NUNCA MAIS A UMA COMISSÃO DA VERDADE.
Depoimento de Anivaldo
Padilha
Dedico este depoimento
à memória de Paulo Wright e Ivan Mota Dias (prebiterianos) e de Heleni Guariba
(metodista), mortos sob torturas e desaparecidos; à memória de Celso e Fernando
Cardoso da Silva, jovens metodistas presos comigo, e que já não se encontram
mais entre nós; à memória de Richard Shaull, missionário americano
presbiteriano, um dos que plantaram as sementes da Teologia da Libertação; e à
memória de Brady Tyson, missionário americano metodista que nos viabilizou os
laços com Martin Luther King, Jr.
Minhas primeiras
palavras são de agradecimento pela honra que o a Procuradoria da República e
Conselho Mundial de Igrejas me concederam ao me convidar para fazer este
depoimento. Sinto-me honrado porque minha história, nos últimos 50 anos, está
intimamente ligada ao CMI e ao movimento ecumênico. E o projeto “Brasil: Nunca
Mais”, é um dos capítulos mais importantes da história da contribuição do
movimento ecumênico brasileiro e internacional à luta pelos Direitos Humanos no
Brasil.
O projeto “Brasil:
Nunca Mais” só pode ser desenvolvido porque contou com um movimento ecumênico
que se desenvolveu em nosso país a partir da primeira metade da década de 1950
quando, no seio do protestantismo, a Confederação Evangélica do Brasil, inspirada
pelo CMI, criou o Setor de Responsabilidade Social, responsável por desenvolver
uma série de reflexões sobre o papel da Igreja no Brasil, em um contexto de
rápidas transformações sociais e políticas. Desse processo surge o Movimento
Latino-Americano de Igreja e Sociedade (ISAL), que teve papel fundamental na
organização do pensamento social ecumênico na América Latina.
Concomitantemente, a
partir do início da década de 1960 a Igreja Católica Romana também sentia os
efeitos renovadores trazidos pelo Papa João XXXIII, e pela primeira vez se
abria para o ecumenismo.
Esses novos ares
tiveram grande impacto nas igrejas, especialmente entre a juventude e
intelectuais, estudantes, e pastores e padres jovens, levando-nos a construir
processos de diálogo e de cooperação nas lutas pelas transformações sócio
econômicas em nosso continente. É nesse processo que germinam as sementes do
que veio a ser conhecida como Teologia da Libertação, tanto em suas vertentes
protestante quanto católica.
Esse processo é
interrompido temporariamente pelo golpe militar de 1964 que leva à prisão, à
clandestinidade ou ao exílio grande parte das nossas lideranças e ao
desmantelamento das nossas organizações, inclusive da Confederação Evangélica
do Brasil.
O período pós-golpe
significou re-aglutinar as pessoas, criar novas formas de organização e
redefinir nosso papel. Com os novos ventos que sopraram da Conferência
Episcopal Latino-Americana, em Medellín, em 1968, o movimento ecumênico ganha
novo ímpeto e possibilita uma ação ecumênica mais efetiva com a adesão de
grandes contingentes católicos. É importante destacar o papel do Centro
Evangélico de Informação, fundado em 1965 (transformado em Centro Ecumênico de
Documentação e Informação em 1975 e, a partir de 2004, em KOINONIA Presença
Ecumênica e Serviço).
A partir do AI-5,
quando a tortura é institucionalizada como método sistemático de interrogatório
e instrumento de terror político do Estado, coube ao movimento ecumênico
alimentar as redes ecumênicas internacionais com informações sobre o que se
passava nos porões da ditadura e denunciar as torturas internacionalmente.
Outra contribuição foi a criação de redes ecumênicas de apoio para proteger
perseguidos políticos rumo ao exílio.
Foi como participante
ativo desse movimento que fui preso na manhã do dia 28 de fevereiro de 1970,
por agentes da OBAN, em São Paulo, principal centro de torturas do pais. Comigo
foi presa também Eliana Rolemberg, que me assessorava em uma pesquisa que eu
coordenava para a ULAJE sobre Juventude e Mudança Social na América Latina. Na
época, eu exercia as funções de Secretario, para o Brasil, da ULAJE e de
redator de uma revista mensal “Cruz de Malta”, da Igreja Metodista.
Ao chegarmos à OBAN,
depois que Eliana e eu fomos separados, fui conduzido a uma sala para ser
interrogado. Assim que a porta se fechou, recebi um soco no estômago, com tal
violência, que caí e fiquei alguns segundos sem poder respirar. Começaram,
então, a aplicar em mim o “telefone”, método de tortura que consiste em golpear
os ouvidos da vítima com as duas mãos ao mesmo tempo, em formato côncavo. Os
golpes foram repetidos várias vezes, seguidos de gritos para que eu confessasse
ser membro de uma organização clandestina e que revelasse os nomes e endereços
de todos os meus amigos. Após esse interrogatório fui levado a uma das celas.
Na parte da tarde, fui
levado novamente para interrogatório. A partir desse momento, as torturas se
intensificaram. Trouxeram Eliana, Celso e Fernando Cardoso da Silva, dois
jovens metodistas como eu, que tinham sido presos também, e nos aplicaram
golpes de “palmatória”, novamente o “telefone” e choques elétricos.
Depois de muito tempo
de torturas, nos separaram e fui levado de volta à cela, já ao escurecer. Eu
não havia ingerido nenhum alimento desde o café da manhã. Minha boca estava
extremamente seca. Tinha a impressão de que minha língua ia rachar ou que
minhas mucosas estavam se esfacelando. Pedi água e o carcereiro me respondeu:
“não tenho autorização para dar água a presos que voltam do interrogatório.
Beber água logo depois de levar choques pode matar”. Trouxeram a janta: sobras
da comida do quartel trazidas em grandes caldeirões. Tive dificuldade para
comer. Além da boca seca, minhas mãos estavam inchadas e eu mal conseguia
segurar a colher. Ademais, eu tinha grande dificuldade para deglutir a comida
composta de arroz, feijão e tomate picado Meu companheiro de cela insistiu para
que eu comesse porque aquela era a única refeição diária. Às vezes, serviam o
café da manhã, que consistia em uma pequena caneca de café com leite e um
pãozinho. Conheci, naquele instante, uma outra forma de tortura: a fome. Não
consegui dormir.
Tarde da noite, vieram
me buscar novamente. Achavam que eu devia ser um comunista importante porque
tinha relações internacionais, especialmente com o mundo ecumênico. E, segundo
eles, esse era um movimento subversivo. Forçaram-me a tirar minha roupa e me
colocaram na “cadeira do dragão”. Uma cadeira revestida com folhas de metal
conectadas por um fio a um rádio militar de campanha. Fui colocado nu no
assento com minhas mãos e pés amarrados. Exigiram que eu desse todas as
informações que eu possuía. A cada negativa, o torturador girava a manivela do
telefone para aumentar a intensidade dos choques. Para tornar os efeitos mais
fortes, colocaram uma toalha úmida sob minhas nádegas. Os choques me provocavam
convulsões e gritos. A sensação era de perda total de controle sobre minha
capacidade mental, racional, e sobre os meus movimentos. Era insuportável!
Até aquele momento, eu
não tinha informação sobre o que acontecia com Eliana ou com Celso e Fernando.
De repente, percebi que Eliana estava também estava sendo torturada na sala ao
lado. Podia ouvir seus gritos e suas recusas em cooperar com os torturadores.
De madrugada me
levaram de volta à cela. O medo tomava conta de mim. Eu tinha medo de não
conseguir resistir e acabar por revelar nomes e endereços de meus amigos e
companheiros.
Pela primeira vez na
minha vida me via confrontado pela possibilidade real e iminente de morrer.
Como evitar esse desfecho? Ou como encará-lo com dignidade? Então, decidi que,
já que morrer parecia inevitável, era melhor que isso acontecesse antes que
novas torturas ocorressem. O suicídio parecia ser o único caminho. E, se
cooperar era o preço para salvar minha vida, eu não conseguiria conviver com o
profundo sentimento de culpa que certamente me acompanharia para sempre. Seria
uma vida sem Vida! Procurei e não encontrei nada que eu pudesse usar para me
suicidar e percebi que nem a opção do suicídio me era disponível. Eu estava só
e à mercê dos torturadores!
Iniciei, então, um
processo de revisão da minha vida. Lembrei-me, sobretudo, do meu
desenvolvimento pessoal, na Igreja Metodista, baseado em uma espiritualidade
encarnada no mundo e nas dores do meu próximo. E que foi essa espiritualidade
que me levou a dedicar-me à solidariedade com os oprimidos e discriminados e à
construção de um mundo mais justo, solidário e verdadeiramente democrático.
Tomei consciência,
nesse momento, de que a minha vida não mais me pertencia pois eu a havia
dedicado inteiramente às exigências da minha Fé. Matar-me seria como se eu
estivesse a exigir a devolução de algo que eu havia doado. Minha vida pertencia
a Deus. Tudo isso me fez encontrar as forças necessárias para resistir.
Eu era fisicamente
muito fraco em relação aos torturadores e me perguntava: “por que usam tanta
violência para me dominar”? Essa pergunta não saía da minha mente até que tudo
começou a clarear. Eu tinha algo mais forte dentro de mim: o amor à Verdade, à
Justiça, à Ética, e o compromisso com o povo, além do apoio de uma imensa
comunidade que não se calava diante da tirania nem se deixava dominar pelas
forças que haviam usurpado o poder em nosso país. Os torturadores eram
fisicamente fortes, mas moralmente eu era mais forte e tinha condições de
resistir.
Se eu tivesse que
morrer, não não podia ser por ato voluntário. Que a ditadura assumisse a
responsabilidade pela minha morte.
Entrei em um processo
lento de tranqüilidade e de serenidade. Senti que eu estava me preparando para
o que me parecia inevitável. O medo, ainda que presente de forma muito forte,
não mais me dominava. Eu tinha me reencontrado com minha história e comigo
mesmo. Já amanhecia e, finalmente, consegui dormir.
Mais tarde, ao ser
levado para mais uma sessão de torturas, percebi que estava sofrendo de uma
espécie de amnésia pois não conseguia me lembrar de praticamente nenhum dos
meus companheiros. Os únicos nomes presentes na minha memória eram os de meus
familiares imediatos. Minha memória havia se apagado seletivamente. Por isso,
apesar da intensidade das torturas, eu não tinha como colaborar. Foi um
fenômeno para o qual jamais encontrei explicação racional e conclusiva. Creio
que o ser humano, quando se encontra em uma situação-limite, como eu me
encontrava ali, é levado a buscar em suas profundezas aquela força divina que
todos possuímos dentro de nós. E essa força não é monopóplio de cristãos ou de
pessoas religiosas. Pude presenciar situações semelhantes de resistência por
parte de companheiros ateus. Para mim, foi resultado da força daquela fé,
qualquer fé, que há dentro de todos nós.
Os interrogatórios
diários, acompanhados de torturas físicas (choques, cadeira do dragão, socos,
palmatória) e morais (simulação de execução, saída de carro com ameaças de
jogarem meu corpo na Serra do Mar, insultos, ser qualificado com palavras de
baixíssimo calão, ameaças de torturarem meus pais etc) continuaram por muitos
dias e depois diminuíram, até que, finalmente, fomos enviados ao DOPS para as
formalidades policiais. Foram vinte dias diretos de “interrogatórios” na OBAN.
No DOPS – depois de de enviados de volta a OBAN por duas vezes, Celso, Fernando
e eu fomos indiciados na Lei de Segurança Nacional e enviados ao antigo
Presídio Tiradentes. A acusação formal: “infiltração subversiva na Igreja Metodista”!!!.
O próprio promotor não aceitou as bases para o nosso indiciamento e fomos
colocados em liberdade.
Ao sair da prisão, sem
condições de trabalhar e sob risco de nova prisão, tive que me exilar. Com o
apoio do CMI e das redes ecumênicas de apoio, consegui chegar clandestinamente
ao Uruguai, depois à Argentina e ao Chile. Após alguns meses, fui para os
Estados Unidos com o apoio das igrejas protestantes daquele pais onde consegui
reconstruir minha vida e continuar, no exterior, a luta contra a ditadura.
Posteriormente, transferi-me para a Suíça. No total, passei 13 anos no exílio.
Por mais de seis anos
tive pesadelos nos quais eu revivia as sessões de tortura. Os torturadores
continuavam dentro de mim a me torturar. Eu tinha que vence-los. A luta foi
longa até que percebi que compreendi que o caminho a seguir era o do perdão. Ao
perdoa-los, consegui vencê-los. O perdão significou para mim um processo
terapêutico. Há momentos que o perdão é mais importante para quem perdoa do que
para quem é perdoado, mas isso no nível das relações inter-pessoais. Isso não
significa compactuar com a impunidade. Os crimes cometidos não foram apenas
contra mim. Foram contra a sociedade brasileira e a sociedade tem o direito de
investiga-los e punir os responsáveis diretos e indiretos.
Termino com um apelo.
Suponho que todos neste auditório sabem que a tortura era uma política de
Estado. Por isso, é essencial o estabelecimento de uma comissão da verdade para
investigar os crimes da ditadura, apontar quem são os torturadores, seus
mandantes, seus colaboradores e apoiadores. A punição deles é importante para
resgatar a dignidade dos que foram torturados, a dignidade da memória dos
assassinados e desaparecidos e a dignidade das famílias que não puderam ainda
sepultar seus entes queridos. Além disso, a impunidade contribui para que a
tortura ainda seja praticada em larga escala nas delegacias e prisões
brasileiras e para que outras formas de intolerância se fortaleçam em nosso
país. Os que se opõem à abertura dos arquivos da ditadura e à divulgação da
verdade e a punição dos que estabeleceram o Terror do Estado nos chamam de
revanchistas. Revanche ou vingança seria tratá-los como nos trataram. Não, não
queremos vingança, mas Justiça. Que sejam investigados, processados, garantindo
a eles o devido processo e julgados pelas cortes do Estado de Direito e não por
tribunais de exceção como fizeram conosco.
Em suma, a punição
representaria o resgate da dignidade da sociedade brasileira que foi violentada
por um regime autoritário.
Termino citando o
profeta Jeremias: “quero trazer à memória o que me pode dar esperança” (Lam.
3.21) Minha esperança é que a memória desse passado contribua para que esse
Brasil, nunca mais!
Muito obrigado
Anivaldo Padilha